domingo, 21 de outubro de 2018

Voltaire e o seu "Tratado sobre a Tolerância"


Em 9 de março de 1762, o protestante francês Jean Calas, é vítima de uma das maiores injustiças cometidas por questões religiosas. Acusado de ter assassinado o próprio filho, Marc-Antoine, que por não conseguir trabalho no comércio, nem ser aceito como advogado porque exigiam certificados de catolicidade que ele não pôde obter, suicidou-se.
O caso é muito controverso. Jean Calas, 68 anos à época, negociante em Toulouse, na França. Era protestante, como também toda a sua família. Com exceção de Marc, que havia abjurado a heresia e recebia uma pequena pensão do pai. Vivia em casa com toda a família. Um certo dia, é encontrado sem vida, no térreo da residência. Junto à loja, enforcado numa porta. Não havia no corpo nenhum ferimento, nenhum machucado.
Os pais e os irmãos se desesperaram com a cena. Seus gritos foram ouvidos pelos vizinhos que logo se acercaram para se inteirarem da situação. Logo, algum fanático da população gritou que Jean Calas havia enforcado seu próprio filho Marc-Antoine. Esse grito, repetido, logo se tornou unânime. Momentos depois, ninguém duvidava: toda a cidade foi persuadida de que é um imperativo religioso entre os protestantes que um pai e uma mãe devem assassinar seu filho tão logo ele queira converter-se.


O filósofo Voltaire (François-Marie Arouet) escreveu a obra “Tratado sobre a tolerância”, em que disseca todo o caso, e mergulha no assunto de forma mais aprofundada. Com uma abundância de argumentos, o pensador realiza uma verdadeira sabatina sobre tolerância aos poderosos da época. O pensador faz a seguinte explanação no capítulo VI:

O direito natural é aquele que a natureza indica a todos os homens. Educastes vosso filho, ele vos deve respeito como a seu pai, reconhecimento como a seu benfeitor. Tendes direito aos frutos da terra que cultivastes com vossas mãos. Fizestes e recebestes uma promessa, ela deve ser cumprida. Em todos os casos, o direito humano só pode se fundar nesse direito de natureza; e o grande princípio, o princípio universal de ambos, é em toda a terra: “Não faz o que não gostarias que te fizessem”. Ora, não se percebe como, de acordo com esse princípio, um homem poderia dizer a outro: “Acredita no que eu acredito e no que não podes acreditar, ou morrerás”.É o que dizem em Portugal, na Espanha, em Goa. 

Atualmente limitam-se a dizer, em alguns países: “Crê, ou te abomino; crê, ou te farei todo o mal que puder; monstro, não tens minha religião, logo não tens religião alguma: cumpre que sejas odiado por teus vizinhos, tua cidade, tu província”.Se fosse de direito humano conduzir-se dessa forma, caberia então que o japonês detestasse o chinês, o qual execraria o siamês; este perseguiria os gancares, que cairiam sobre os habitantes do Indo; o mongol arrancaria o coração do primeiro malabar que encontrasse; o malabar poderia degolar o persa, que poderia massacrar o turco – e todos juntos se lançariam sobre os cristãos, que por muito tempo devoraram-se uns aos outros. O direito da intolerância é, pois, absurdo e bárbaro; é o direito dos tigres, e bem mais horrível, pois os tigres só atacam para comer, enquanto nós exterminamo-nos por parágrafos. 4 ( VOLTAIRE, 1763)

            Imaginemos, se todas as sociedades de todas as épocas utilizassem esse princípio universal citado por Voltaire, “Não faz o que não gostarias que te fizessem”. Nenhum indivíduo agrediria o outro, pois até mesmo antes de chegar às vias de fato, ele lembraria do princípio e não levava a ofensa adiante. Ele mesmo e os seus seriam beneficiados em outra ocasião.
É no Capítulo XXII de “Tratado Sobre a Tolerância”, que o filósofo deixa registrado um de seus mais belos pensamentos; a Oração a Deus:

“Não é mais aos homens que me dirijo, é a ti. Deus de todos os seres, de todos os mundos e de todos os tempos. Se é permitido a frágeis criaturas perdidas na imensidão e imperceptíveis ao resto do universo, ousar te pedir alguma coisa, a ti que tudo criaste, a ti cujos decretos são imutáveis e eternos, digna-te olhar com piedade os erros decorrentes de nossa natureza. Que esses erros não venham a ser nossas calamidades. Não nos deste um coração para nos odiarmos e mãos para nos matarmos. Faz com que nos ajudemos mutuamente a suportar o fardo de uma vida difícil e passageira; que as pequenas diferenças entre as roupas que cobrem nossos corpos diminutos, entre nossas linguagens insuficientes, entre nossos costumes ridículos, entre nossas leis imperfeitas, entre nossas opiniões insensatas, entre nossas condições tão desproporcionadas a nossos olhos e tão iguais diante de ti; que todas essas pequenas nuances que distinguem os átomos dos chamados homens que não sejam sinais de ódio e de perseguição; que os que acendem velas em pleno meio-dia para te celebrar suportem os que se contentam com a luz de teu sol; que os que cobrem suas vestes com linho branco para dizer que devemos te amar não detestem os que dizem a mesma coisa sob um manto de lã negra; que seja igual te adorar num jargão formado de uma antiga língua, ou num jargão mais novo; que aqueles cuja roupa é tingida de vermelho ou de violeta, que dominam sobre uma pequena porção de um montículo da lama deste mundo e que possuem alguns fragmentos arredondados de certo metal usufruam sem orgulho o que chamam de grandeza e riqueza, e que os outros não os invejem, pois sabes que não há nessas vaidades nem o que invejar, nem do que se orgulhar. Possam todos os homens lembrar-se de que são irmãos! Que abominem a tirania exercida sobre as almas, assim como execram o banditismo que toma pela força o fruto do trabalho e da indústria pacífica! Se os flagelos da guerra são inevitáveis, não nos odiemos, não nos dilaceremos uns aos outros em tempos de paz e empreguemos o instante de nossa existência para abençoar igualmente em mil línguas diversas, do Sião à Califórnia, tua bondade que nos deu esse instante”.4( VOLTAIRE, 1763)

            O pensador assume de forma muito humilde, a nossa condição de criados, e eleva o pensamento ao alto, solicitando ao criador a tolerância, que por muitas vezes deixamos ao lado. Mesmo que declarando-se portador de benesses divinas. Coloca-nos em nossa posição de igualdade perante todos e chama-nos a atenção para esquecermos a tirania de que utilizamos para condenar semelhantes.

            O “Tratado sobre a Tolerância” de Voltaire, vai inspirar mais a diante a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, de 1789, na França. Três artigos nesse documento serão essenciais para a garantia da liberdade religiosa.

Art. 4.º A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.

Art. 10.º Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei.
Art. 11.º A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.5 ( VOLTAIRE, 1763)

A “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” por sua vez, servirão como base junto com outros documentos de outros pensadores e outras nações para a histórica “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, instituída mundialmente a partir de 10 de dezembro de 1948.



sábado, 20 de outubro de 2018

Onde fica a alma em nosso corpo?


Nos últimos dias, resolvemos interagir com alguns internautas através da rede social “Twitter” e solicitamos alguns questionamentos em relação a assuntos ligados às religiões. Felizmente obtivemos algumas participações bem legais. O que nos deu um grande prazer em pesquisar nos mais variados autores da filosofia e da teologia para satisfazer seus anseios existenciais.

Podemos afirmar que no campo da “Filosofia da Religião”, as nossas principais ferramentas são a metodologia histórico-comparativa, a filologia e a antropologia. A importância está justamente em transcender aquilo que é doutrinal. Obviamente que, além de citarmos pensadores de diversos matizes, proporcionando a liberdade e a possibilidade de  emitiremos também nossa opinião realizando uma síntese das teses apresentadas.

A jovem Malu nos fez a seguinte pergunta: “Onde fica a alma”?

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É um questionamento muito interessante, pois durante muito tempo o homem da terra fala em alma e não investiga de forma incisiva esse tema.

No século VI a.C. Pitágoras já se referia à Transmigração das almas. Que seria a possibilidade da mesma alma habitar um corpo humano e depois um corpo animal. O que mais adiante o Espiritismo viria rechaçar.

Mais adiante, no século V a.C. Empédocles afirmava que a alma vivia através de diversas reencarnações. Para ele, as más condutas eram castigadas com encarnações posteriores.

Filolau de Crotona ensina que a alma está aprisionada no corpo pela divindade.

Platão através de Sócrates ensina que a alma está entrelaçada à teoria das ideias. A alma é movida por si mesma e move o corpo. Um corpo para ser considerado vivo, deve ser movido pela alma. Esta é a verdadeira essência do ser humano, e sem ela não existe vida. Ele divide a alma em três partes:
Racional – Capaz de conhecer a verdade e alcançar as essências no mundo inteligível. Localizada na cabeça.
Irascível – Responsável pela defesa do indivíduo, que deveria manter a coragem, mas também moderar a agressividade. Localizada à altura do peito.
Apetitiva ou Concupiscível – Sede dos desejos, capazes de promover a sobrevivência do corpo, mas que deveriam ser atendidos com moderação. Localizada à altura do estômago.

O filósofo Aristóteles entende que a alma não é material, mas também não é um ser do mundo ideal. Ele a considera como sendo princípio formalmente vital. Divide a alma em duas partes. Uma racional e outra irracional. A primeira concebe princípios de razão, a segunda é privada de razão.

O pensador divide a parte racional em duas. A científica ou contemplativa e a calculativa. Esta opera o contingente. Aquilo que pode ser de outra maneira. A prudência, a sabedoria prática ou discernimento. Ele denomina phronesis. Aquela permite contemplar as coisas invariáveis, aquelas que não podem ser de outro modo. É a sophia, ou sabedoria.

O estagirita ainda divide a irracional também em duas. A irracional vegetativa, que é responsável pela alimentação e crescimento. A irracional apetitiva, aquela que deseja. Embora irracional por si mesma, relaciona-se com a parte racional.

No século III, Plotino entende que a alma é uma emanação da Alma Universal, que por sua vez, provém do Noûs, do Uno, enquanto pensa e quer por si mesmo.

No século XIV, o monge franciscano Guilherme de Ockham, propaga que, pelo fato da alma e Deus não serem sensíveis, não são cognoscíveis. Não se pode provar a alma, e é impossível demonstrar cientificamente a imortalidade. Essa linha de pensamento deu origem ao Empirismo e ficou conhecida como experimentalismo inglês.

Outro filósofo importante a abordar o tema é René Descartes. Já no século XII afirma que é preciso distinguir no homem duas substâncias: o corpo (res extensa) e o eu pensante (res cogitans).

Encontramos a resposta mais satisfatória em “O Livro dos Espíritos” de Allan Kardec. Na questão 146, o codificador indaga: A alma tem uma sede determinada e circunscrita no corpo?
Os Espíritos respondem:
Não, mas se encontra mais particularmente na cabeça dos grandes gênios e de todos os que pensam muito, e no coração daqueles que têm grande sensibilidade e que dedicam suas ações à humanidade.

É importante ressaltar que na questão 93 da mesma obra, os benfeitores da humanidade comentam que o Espírito é envolto por uma substância que, para ti (humano), é vaporosa, mas ainda bastante grosseira para nós (Espíritos).

Por ser imaterial (do nosso ponto de vista) a alma se irradia por todo o corpo e até além dele, através do Perispírito.


Fontes:
Filosofia da Religião/Adriano Antônio Faria. Curitiba: Intersaberes, 2017.
Ética antiga e medieval/Reginaldo Polesi. - Curitiba: Intersaberes, 2014.
Filosofia: ensino médio/Alexandre Martins; reformulação dos originais de: Michele Czaikoski Silva; DKO Estúdio. Curitiba : : Positivo, 2016. 
Os caminhos da reflexão metafísica: fundamentação e crítica/Mauro Cardoso Simões. Curitiba: Intersaberes, 2015. 
Kardec, Allan (1804/1869). O Livro dos Espíritos/Allan Kardec. Tradução Matheus R. de Camargo. Capivari-SP: Editora EME, 7ª edição, agosto/2006 - formato 15,5x21,5 cm.

Baruch de Spinoza e a intolerância


Outro filósofo da modernidade que despertou sua atenção para a tolerância ou a falta dela, foi o holandês Baruch de Espinosa (1632-1677). Sentiu na própria pele, a dor da intolerância. Enfrentou injustiças, as mais variadas e escreveu sobre o assunto.



A filósofa Marilena Chauí registra em seu livro “Espinosa, uma filosofia da liberdade”, o seguinte pensamento do autor:
                              
"Haverá algo mais pernicioso, repito, do que considerar inimigos e condenar a morte homens que não praticaram outro crime ou ação criticável senão o pensarem Iivremente, e fazer assim do cadafalso, que é o terror dos delinquentes, um palco belíssimo em que se exibe, para vergonha do soberano, o mais sublime exemplo de tolerância e de virtude? Porque os que sabem que são honestos não tern, como os criminosos, medo de morrer nem imploram clemência; na medida em que não os angustia o remorso de qualquer feito vergonhoso, pelo contrário, o que fizeram era honesto, recusam-se a considerar castigo o morrer por uma causa justa e tern por uma gloria o dar a vida pela liberdade. Que exemplo poderá então ter ficado da morte de pessoas assim, cujo ideal é incompreendido pelos fracos e moralmente impotentes, odiado pelos revoltosos e amado pelos homens de bem? Ninguém, certamente, aí colhe exemplo algum, a não ser para os imitar ou, pelo menos,  admirar." (CHAUÍ, 2001)

Espinosa critica além da própria injustiça, o fato do condenado ser mensurado por baixo. Ser colocado no mesmo nível dos demais infratores, desonestos e criminosos. É irracional, ser vítima de crimes os mais diversos, desde as perseguições até mesmo a morte, o fato de tão somente pensar diferente e de uma maneira a não prejudicar a quem quer que seja. Tão somente por defender a sua fé.

domingo, 14 de outubro de 2018

John Locke e seu ponto de vista sobre a intolerância


Estamos vivendo um momento muito complicado em nossa sociedade. Já não bastassem os problemas naturais de qualquer agrupamento humano, ultimamente temos observado uma carga avassaladora de intolerância. Seja religiosa, política, esportiva, ou de qualquer que seja a temática. 

Pessoas se agredindo mutuamente tão somente por pensar de forma diferente. Em tempos de verbalizações acirradas e ampliadas pelas redes sociais na internet, os debates têm se tornado a cada dia, mais agressivos e intolerantes. Muitas das pessoas não aceitam e não toleram pontos de vistas diferentes dos seus e os transformam em campos de batalha, onde muitas vezes amigos desfazem amizades de anos. Parentes se digladiam, trocam palavras ofensivas em torno de ideias diferentes. Pessoas desconhecidas promovem entre si ásperos diálogos em defesa de suas ideias.

É natural que os pontos de vista sejam os mais variados possíveis, entretanto a maior dificuldade é de se aceitar as posições alheias. Ou de, pelo menos, tolerar. 

Tolerar: v.t. Ser indulgente; suportar; condescender.





O filósofo inglês John Locke (1632-1704), foi um dos autores que dedicou maior atenção à tolerância religiosa, como entendê-la e como praticá-la. Por volta de 1865 escreve a “Carta acerca da tolerância²”, exilado na Holanda. Pouco antes da revolução de 1868 que expulsará da Inglaterra, o rei Jaime II, católico intolerante. Nessa época, católicos e protestantes viviam sob intensas disputas em várias regiões do continente europeu.

É bom discernir as atividades do pensador, pois se ele demonstrou uma preocupação com a tolerância religiosa, não apresentava a mesma dedicação em relação a outros setores da sociedade.

No nosso caso, destacaremos a tolerância religiosa desse autor, que nos ajudará na compreensão desse artigo. Também assim, cabe a nós fazer a substituição do termo religioso por social, político ou cultural, se necessário. Locke enfatiza em sua carta:““Se um homem possui todas aquelas coisas, mas se lhe faltar caridade, brandura e boa vontade para com todos os homens, mesmo para com os que não forem cristãos, ele não corresponde ao que é um cristão””².

O filósofo não entendia como que uma mensagem de paz e tolerância entre os homens, deixada por Jesus, o Cristo, podia ser distorcida de forma que os homens agrediam, expulsavam e até assassinavam outros em defesa do próprio Evangelho. Mais um agravante, as duas partes litigantes defendiam o mesmo Jesus, sob pensamentos distintos.
A tolerância em suas ideias, fica clara ao afirmar que, mesmo para com os que não forem cristãos, se faltar algum daqueles princípios citados, não corresponde a atitude de um cristão. Aponta a falta de coerência para aquele que se diz seguidor de uma doutrina de tolerância e não age com tolerância.

A tolerância para os defensores de opiniões opostas acerca de temas religiosos está tão de acordo com o Evangelho e com a razão que parece monstruoso que os homens sejam cegos diante de uma luz tão clara. Não condenarei aqui o orgulho e a ambição de uns, a paixão a impiedade e o zelo descaridoso de outros. Estes defeitos não podem, talvez, ser erradicados dos assuntos humanos, embora sejam tais que ninguém gostaria que lhe fosse abertamente atribuídos; pois, quando alguém se encontra seduzido por eles, tenta arduamente despertar elogios ao disfarçá-los sob cores ilusórias. Mas que uns não podem camuflar sua perseguição e crueldade não cristãs com o pretexto de zelar pela comunidade e pela obediência às leis; e que outros, em nome da religião, não devam solicitar permissão para a sua imoralidade e impunidade de seus delitos; numa palavra, ninguém pode impor-se a si mesmo ou aos outros, quer como obediente súdito de seu príncipe, quer como sincero venerador de Deus: considero isso necessário sobretudo pra distinguir entre as funções do governo civil e da religião, e para demarcar as verdadeiras fronteiras entre a Igreja e a comunidade. Se isso não for feito, não se pode pôr um fim às controvérsias entre os que realmente têm, ou pretendem ter, um profundo interesse pela salvação as almas de um lado, e, por outro, pela segurança da comunidade. (LOCKE, 1692).

O autor entende que alguma das dificuldades inerentes ao ser humano seja difícil de erradicá-las, entretanto condena a perseguição àqueles que impõem um modo de pensar ou de agir. Penetra na discussão da ligação da Igreja com o Estado à época. O que configurava uma instituição opressora. Com o poder às mãos, os mandatários abusavam das prerrogativas. Locke faz uma consideração no seu texto do que considera como sendo Igreja.

Considero-a como uma sociedade livre e voluntária. Ninguém nasceu membro de uma igreja qualquer - caso contrário, a religião de um homem juntamente com propriedade, lhe seriam transmitidas pela lei de herança de seu pai e de seus antepassados, e deveria sua fé a sua ascendência: não se pode imaginar coisa mais absurda. O assunto explica-se desta maneira. Ninguém está subordinado por natureza a nenhuma igreja ou designado a qualquer seita, mas une-se voluntariamente à sociedade na qual acredita ter encontrado a verdadeira religião e a forma de culto aceitável por Deus. A esperança de salvação que lá encontra, como se fosse a única causa de seu ingresso em certa igreja, pode igualmente ser a única razão para que lá permaneça. Se mais tarde descobre alguma coisa errônea na doutrina ou incongruente no culto, deve sempre ter a liberdade de sair como a teve para entrar, pois laço algum é indissolúvel, exceto os associados a certa expectativa de vida eterna. Igreja é portanto, sociedade de membros que se unem voluntariamente para esse fim. (LOCKE, 1692).

Com tão brilhante assertiva, o pensador inglês nos oferece a oportunidade de tecermos ligações com as mais variadas formas de intolerância, e nos questionarmos se não é possível pensarmos de forma semelhante em relação à outras questões.Por exemplo, em relação à política. Não se pede que todos pensem de forma igual, mas que possam entender que pessoas outras, entendem a área de maneira diferente à nossa.
A possibilidade do diálogo e do debate sobre ideias é sempre salutar. Contudo, o que se pode e se deve evitar são as agressões, sejam elas físicas ou verbais. Aquele que detém argumentos para defender suas ideias, não sucumbirá ao desnível de agredir alguém. É desnecessário. A não ser que queira fazer com que o outro aceite as suas ideias de forma imposta.

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Sebastianismo do século XIX no interior de Pernambuco

O sebastianismo é um fenômeno secular, que muitas vezes é visto como uma seita ou elemento de crendice popular. Teve sua origem na segunda metade do século XVI, surgindo da crença na volta de Dom Sebastião, rei de Portugal, que desapareceu na batalha de Alcácer-Quibir, na África, no dia 4 de agosto de 1578, enquanto comandava tropas portuguesas. Como ninguém o viu tombar ou morrer, espalhou-se a lenda de que El-Rei voltaria. Alimentado por lendas e mitos, sobreviveu no imaginário português até o século XVII.

O sebastianismo tem suas raízes na concepção religiosa do messianismo, que acredita na vinda ou no retorno de um enviado divino, o messias; um redentor, com capacidade para mudar a ordem das coisas e trazer paz, justiça e felicidade. É um movimento que traduz uma inconformidade com a situação política vigente e uma expectativa de salvação, ainda que miraculosa, através da ressurreição de um morto ilustre.

Chegou ao Brasil, principalmente ao Nordeste brasileiro, no século XIX. Unindo fanatismo religioso com idéias socialistas, o movimento se redescobriu no sertão nordestino, assumindo características próprias através de símbolos e do imaginário popular.

Alguns viajantes estrangeiros afirmam ter conhecido adeptos do sebastianismo, no Rio de Janeiro (1816) e em Minas Gerais (1817), descrevendo-as como pessoas educadas, cordatas e sem traços de crueldade aparente.

No sertão de Pernambuco, no entanto, o sebastianismo apresentou-se como um movimento político-religioso violento, com líderes fanáticos que ludibriavam a boa fé da população, principalmente dos mais humildes e menos informados, que sofriam bastante com o isolamento e os flagelos da seca.

Dois movimentos sebastianistas trágicos aconteceram em Pernambuco: o da Serra do Rodeador, no município de Bonito, em 1819-1820, e o da Serra Formosa, em São José do Belmonte, no período de 1836 a 1838.

O primeiro, conhecido como A Tragédia do Rodeador, tinha como líder Silvestre José dos Santos, “Mestre Quiou”, que fundou um arraial no local denominado Sítio da Pedra, destruído em 25 de outubro de 1820 pelo governador de Pernambuco Luiz do Rego. Denominado de “massacre de Bonito”, a destruição do arraial pelas forças legais deixou um saldo de 91 mortos e mais de cem feridos. Após o massacre, mais de 200 mulheres e 300 crianças foram aprisionadas e enviadas para o Recife.

O segundo movimento, A Tragédia da Pedra Bonita, ocorreu num lugar denominado Pedra Bonita, localizado na Serra Formosa, no município de São José do Belmonte, sertão de Pernambuco. Um grupo de fanáticos sebastianistas, liderado por João Antônio dos Santos, fundou uma espécie de reino, com leis e costumes próprios e diferentes dos do resto do país. Seu líder era chamado de rei e usava até coroa feita de cipó. Nas suas pregações ele dizia que o rei Dom Sebastião lhe havia aparecido e lhe mostrara um tesouro escondido; e que o rei estaria prestes a retornar e iria transformar todos os seus seguidores em pessoas ricas, jovens, bonitas e saudáveis. O grande número de pessoas pouco esclarecidas que seguiu os fanáticos de Pedra Bonita preocupou o governo, os fazendeiros e a Igreja Católica. Foi enviado o padre Francisco José Correia de Albuquerque para tentar fazer as pessoas voltarem ao seu lugar. O padre conseguiu convencer João Antônio a parar com a pregação, mas este deixou em seu lugar o cunhado João Ferreira, que se tornou o mais fanático e cruel rei da Pedra Bonita. Ele pregava que Dom Sebastião só voltaria se a Pedra Bonita fosse banhada com sangue de pessoas e animais, comandando um grande massacre de pessoas inocentes em maio de 1838. Entre os dias 14 e 18 morreram 87 pessoas. No dia 18 de maio o arraial da Pedra Bonita foi destruído pelas forças comandadas pelo major Manoel Pereira da Silva.

O movimento político-religioso também foi muito forte e com resultados trágicos nos sertões da Bahia, no arraial de Canudos chefiado por Antônio Conselheiro, entre os anos de 1893 e 1897, que culminou com a Guerra de Canudos. Documentos encontrados no arraial indicam que Conselheiro e seus colaboradores acreditavam no retorno de Dom Sebastião, ou, pelos menos, usavam isso para obter apoio dos seus seguidores. No caso de Canudos, o sabastianismo pregava a volta de Dom Sabastião para restabelecer a monarquia e derrubar a República. Em 1897, o arraial de Canudos foi destruído por tropas do Exército.

O sentido místico-religioso do sebastianismo também contribuiu para o aparecimento de manifestações folclóricas no Brasil. Há registros de lendas sobre o retorno de Dom Sebastião, como as do Touro Encantado e a do Rei Sebastião.

Fonte: GASPAR, Lúcia. Sebastianismo no Nordeste brasileiro. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar>. Acesso em: 11/10/2018 . 


Primórdios da medicina em livro de Noah Gordon

Capa do livro O físico (capa dura)

Unindo ampla pesquisa histórica com imaginação vívida e descrições precisas, o norte-americano Noah Gordon narra os primórdios da medicina neste romance histórico magistral, um clássico de enorme sucesso que há anos recebe reimpressões sucessivas no catálogo da Rocco e chega agora às livrarias em nova edição, com capa dura e novo projeto gráfico. 

“Mais do que uma recriação histórica magistral, aqui está também a história fantástica de uma vocação para a medicina. O romance de Noah Gordon recria o século XI de maneira tão eloquente que o leitor é conduzido por uma onda gigantesca de autenticidade e imaginação”, afirma o periódico norte-americano Publishers Weekly. 

O protagonista é Robert Jeremy Cole, um homem com o dom quase místico da cura e com uma paixão: aprimorar seus conhecimentos da ainda incipiente medicina. Obcecado em contrariar as forças da morte e da doença na Inglaterra do século XI, Cole abandona o obscurantismo da Europa medieval rumo ao esplendor do Oriente, onde despontam as primeiras descobertas dessa ciência fascinante que teima em desafiar Deus. 

A história começa quando Rob Cole, órfão, aprendiz de um barbeiro-cirurgião na Inglaterra, toma conhecimento da existência de uma escola extraordinária na Pérsia, onde um famoso físico leciona. Decidido a ir a seu encontro, descobre que seu único problema estava no fato de que cristãos não tinham acesso às universidades durante as Cruzadas. A solução era Rob assumir a identidade de judeu, ao mesmo tempo em que se envolvia com uma avalanche de fatos verdadeiramente impressionantes. 


O AUTOR

Noah Gordon nasceu em 11 de novembro de 1926 em Worcester, Massachusetts. Depois de um curto período no exército norte-americano, do qual saiu quando a Segunda Guerra Mundial chegou ao fim, Gordon fez um curso preparatório para estudar medicina, mas acabou optando por jornalismo. Desde criança, sonhava trabalhar em jornal e escrever livros como aqueles que gostava de ler. Formado, passou um período em Nova York, até voltar para Boston e trabalhar no Boston Herald. Especializou-se na área de ciências.