terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

A Tolerância, por John Locke

2. A TOLERÂNCIA

Tolerância: sf. Qualidade de tolerante, ato ou efeito de tolerar, pequenas diferenças para mais ou para menos, respeito ao direito que os indivíduos têm de agir, pensar e sentir de modo diverso do nosso. A palavra é derivada do latim “tolerare”, que apresenta a mesma definição¹.

    Nos mais variados tempos, a história nos mostra que a intolerância, seja ela religiosa, cultural, política, social ou qualquer que seja a modalidade é puramente nociva à sociedade. A nossa perspectiva é de estudar e compreender os pensamentos desses grandes idealistas, que demonstraram a preocupação em oferecer propostas para uma convivência melhor em suas respectivas sociedades.

2.1 JOHN LOCKE

O filósofo inglês John Locke (1632-1704), foi um dos autores que dedicou maior atenção à tolerância religiosa, como entendê-la e como praticá-la. Por volta de 1865 escreve a “Carta acerca da tolerância²”, exilado na Holanda. Pouco antes da revolução de 1868 que expulsará da Inglaterra, o rei Jaime II, católico intolerante. Nessa época, católicos e protestantes viviam sob intensas disputas em várias regiões do continente europeu.

É bom discernir as atividades do pensador, pois se ele demonstrou uma preocupação com a tolerância religiosa, não apresentava a mesma dedicação em relação a outros setores da sociedade.
No nosso caso, destacaremos a tolerância religiosa desse autor, que nos ajudará na compreensão desse artigo. Também assim, cabe a nós fazer a substituição do termo religioso por social, político ou cultural, se necessário. Locke enfatiza em sua carta:““Se um homem possui todas aquelas coisas, mas se lhe faltar caridade, brandura e boa vontade para com todos os homens, mesmo para com os que não forem cristãos, ele não corresponde ao que é um cristão””².

O filósofo não entendia como que uma mensagem de paz e tolerância entre os homens, deixada por Jesus, o Cristo, podia ser distorcida de forma que os homens agrediam, expulsavam e até assassinavam outros em defesa do próprio Evangelho. Mais um agravante, as duas partes litigantes defendiam o mesmo Jesus, sob pensamentos distintos.

A tolerância em suas ideias, fica clara ao afirmar que, mesmo para com os que não forem cristãos, se faltar algum daqueles princípios citados, não corresponde a atitude de um cristão. Aponta a falta de coerência para aquele que se diz seguidor de uma doutrina de tolerância e não age com tolerância.

A tolerância para os defensores de opiniões opostas acerca de temas religiosos está tão de acordo com o Evangelho e com a razão que parece monstruoso que os homens sejam cegos diante de uma luz tão clara. Não condenarei aqui o orgulho e a ambição de uns, a paixão a impiedade e o zelo descaridoso de outros. Estes defeitos não podem, talvez, ser erradicados dos assuntos humanos, embora sejam tais que ninguém gostaria que lhe fosse abertamente atribuídos; pois, quando alguém se encontra seduzido por eles, tenta arduamente despertar elogios ao disfarçá-los sob cores ilusórias. Mas que uns não podem camuflar sua perseguição e crueldade não cristãs com o pretexto de zelar pela comunidade e pela obediência às leis; e que outros, em nome da religião, não devam solicitar permissão para a sua imoralidade e impunidade de seus delitos; numa palavra, ninguém pode impor-se a si mesmo ou aos outros, quer como obediente súdito de seu príncipe, quer como sincero venerador de Deus: considero isso necessário sobretudo pra distinguir entre as funções do governo civil e da religião, e para demarcar as verdadeiras fronteiras entre a Igreja e a comunidade. Se isso não for feito, não se pode pôr um fim às controvérsias entre os que realmente têm, ou pretendem ter, um profundo interesse pela salvação as almas de um lado, e, por outro, pela segurança da comunidade. (LOCKE, 1692). 

O autor entende que alguma das dificuldades inerentes ao ser humano seja difícil de erradicá-las, entretanto condena a perseguição àqueles que impõem um modo de pensar ou de agir. Penetra na discussão da ligação da Igreja com o Estado à época. O que configurava uma instituição opressora. Com o poder às mãos, os mandatários abusavam das prerrogativas. Locke faz uma consideração no seu texto do que considera como sendo Igreja.

Considero-a como uma sociedade livre e voluntária. Ninguém nasceu membro de uma igreja qualquer - caso contrário, a religião de um homem juntamente com propriedade, lhe seriam transmitidas pela lei de herança de seu pai e de seus antepassados, e deveria sua fé a sua ascendência: não se pode imaginar coisa mais absurda. O assunto explica-se desta maneira. Ninguém está subordinado por natureza a nenhuma igreja ou designado a qualquer seita, mas une-se voluntariamente à sociedade na qual acredita ter encontrado a verdadeira religião e a forma de culto aceitável por Deus. A esperança de salvação que lá encontra, como se fosse a única causa de seu ingresso em certa igreja, pode igualmente ser a única razão para que lá permaneça. Se mais tarde descobre alguma coisa errônea na doutrina ou incongruente no culto, deve sempre ter a liberdade de sair como a teve para entrar, pois laço algum é indissolúvel, exceto os associados a certa expectativa de vida eterna. Igreja é portanto, sociedade de membros que se unem voluntariamente para esse fim. (LOCKE, 1692).

Com tão brilhante assertiva, o pensador inglês nos oferece a oportunidade de tecermos ligações com as mais variadas formas de intolerância, e nos questionarmos se não é possível pensarmos de forma semelhante em relação à outras questões.Por exemplo, em relação à política. Não se pede que todos pensem de forma igual, mas que possam entender que pessoas outras, entendem a área de maneira diferente à nossa.

A possibilidade do diálogo e do debate sobre ideias é sempre salutar. Contudo, o que se pode e se deve evitar são as agressões, sejam elas físicas ou verbais. Aquele que detém argumentos para defender suas ideias, não sucumbirá ao desnível de agredir alguém. É desnecessário. A não ser que queira fazer com que o outro aceite as suas ideias de forma imposta.