segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Byung Chul-Han, o filósofo coreano que ataca as redes

Byung Chul-Han em Barcelona.

Fala da alienação e dominação, do inferno do igual, da sociedade do cansaço e da exploração a que nos submetemos. É um filósofo de origem sul-coreana que fez sua carreira na Alemanha e em alemão, inspirado na obra de alguns dos mais célebres – e mais difíceis – pensadores desse país, de Hegel a Martin Heidegger. Tem um livro, inclusive, chamado No Enxame: reflexões sobre o digital, que é uma crítica demolidora do papel das redes sociais na sociedade atual. Não parecem argumentos para o sucesso viral e, entretanto, a matéria sobre o pensamento de Byung Chul-Han publicada na quarta-feira pelo EL PAÍS teve mais de meio milhão de usuários únicos nos dois primeiros dias e foi o conteúdo mais visto do site durante mais de 30 horas. A versão em português também se transformou na matéria mais lida do jornal em toda a América Latina. Conversamos com outros filósofos e escritores para falar dos motivos do sucesso do pensamento de um autor cujas principais obras – A Sociedade do CansaçoA Sociedade da Transparência e a Agonia do Eros – estão traduzidas ao português.
Algo parecido já aconteceu à época com a morte de Zygmunt Bauman e o surgimento de Slavoj Zižek, conhecido como o filósofo viral. Em maior ou menor grau, são todos eruditos, controversos e politicamente incorretos. “É uma leitura crítica do mundo acelerado que tem a ver com a transparência e as tecnologias e isso para ele funciona e gera cumplicidade. É o tipo de pensamento que acompanha as solidões”, explica o filósofo e jornalista Josep Ramoneda.
“Existem quatro aspectos essenciais”, comenta o professor de Filosofia Contemporânea da Universidade de Barcelona Manuel Cruz. “Por um lado, acertou no formato. Esses textos de intervenção curta e clara são fundamentais. Além disso, há o estilo. Tem um modo de colocar as coisas especialmente atrativo. Parte de um conceito intuitivamente aparente – a transparência, por exemplo – ou uma metáfora – a sociedade do cansaço – e consegue um grau de acessibilidade muito grande. Também está muito preocupado pela experiência. Por último, afiança solvência. Você pode ou não gostar, mas não pode dizer que ele é um charlatão”.
Quase sete em cada dez leitores da matéria do EL PAÍS, tanto em espanhol como em português, chegaram a ela através das redes sociais, fundamentalmente o Facebook. É quase uma ironia, porque Han ataca com dureza o papel das redes e se pergunta se no final será o algoritmo a construir o homem e não o inverso.Contra o mito das redes
A ensaísta Remedios Zafra, autora de El Entusiasmo (O Entusiasmo), um estudo sobre a precariedade e a desilusão, reflete sobre a pertinência da análise de Han: “Na vida contemporânea (online) são tão poucos os tempos vazios que não é fácil ativar a consciência, o que prima é a inércia. A vida tal como a conhecíamos parece estar em risco, fagocitada por trabalhos e tarefas derivados da conexão permanente. Que grande parte dessas tarefas tenham a ver com a própria visibilidade e com o protagonismo do eu na vida digital está muito relacionado com o mecanismo que faz a conexão. O que não tenho claro é até que ponto essa “autoexploração” sugerida por Han é promovida pelo próprio indivíduo”.
A aparente simplicidade é outra de suas virtudes. “Han utiliza uma linguagem inteligível, também simplificando muito. Daí a enganosa sensação de que tudo pode ser explicado, algo que reconforta muito. Acho que o sucesso de Han se deve em boa parte a esse fator reconfortante”, afirma Cecilia Dreymüller, tradutora especializada em literatura alemã e escritora. “São livros muito curtos, isso é importante nos tempos atuais. Bastante contundentes e fáceis de se ler”, acrescenta Ramoneda. “É uma mistura de profundidade filosófica (principalmente à base de citações indiscriminadas de toda a filosofia ocidental) com questões da cotidianidade mais comum. Tudo reconhecível. E esse é outro grande fator de seu sucesso”, diz Dreymüller.
Por trás da fama de Byung Chul-Han há uma carreira de fundo contra a lógica da vida. Nascido em 1959 em Seul, Han decidiu ir à Alemanha após abandonar seus estudos de metalurgia. Em 1994 se doutorou pela Universidade de Munique com uma tese sobre Heidegger e pouco depois começou a trabalhar como professor universitário. Surpreendente para alguém que não dominava o alemão quando chegou. “É assombroso o domínio do idioma de Han, verdadeiramente. Mas uma pessoa disciplinada e inteligente como ele consegue fazê-lo com muita aplicação. Parece ter uma enorme força de vontade. Ele adora poesia, recita Goethe de memória assim como Leopardi – em italiano”, afirma Dreymüller.

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