O novo estudo propõe uma fonte familiar para a misteriosa matéria escura: ela existe na forma de “buracos negros primordiais”, criados logo após o Big Bang em todo o Universo.
Buraco negro como matéria escura.
Teoria propõe que a misteriosa matéria escura corresponde, na verdade, aos buracos negros e sua gravidade. Crédito Universidade de Miami
Estudo propõe uma nova teoria de evolução do Universo, que pode explicar a natureza da matéria escura. Ela existiria como “buracos negros primordiais”, formados no instante após o Big Bang, que teriam conduzido toda a formação de galáxias a partir de então. Se a teoria estiver correta, ela também pode responder a diversos outros questionamentos da astrofísica em aberto.
Cientistas vêm há anos tentando encontrar uma explicação para a matéria escura, mas essa substância misteriosa nunca foi observada diretamente. Ainda assim, percebemos sua existência através dos cálculos de massa de galáxias. Elas são muito mais pesadas do que a soma da massa de toda a sua matéria ordinária — os átomos e partículas que conhecemos, de estrelas, planetas, etc. O restante, responsável por boa parte da gravidade que as mantém unidas, é a matéria escura.
Até agora, sua natureza exata é desconhecida. Muitas tentativas de detecção procuram por novas partículas ou novas propriedades físicas desconhecidas para explicá-la — ainda sem sucesso.
Escapando desse paradigma, cientistas da Universidade de Yale, Universidade de Miami (ambos nos EUA) e da Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês), propuseram em seu artigo, publicado no The Astrophysical Journal, que matéria escura e buracos negros são a mesma coisa. “Nosso estudo prevê como o Universo primitivo deve ter funcionado se, ao invés de partículas desconhecidas, a matéria escura fosse constituída de buracos negros formados durante o Big Bang”, afirma Nicco Cappelluti. Ele é o principal autor da pesquisa e professor associado na Universidade de Miami.
Essa mudança tem implicações profundas no entendimento da evolução do Universo. Segundo a teoria “padrão”, após o Big Bang, o Universo passou por uma longa “Era das Trevas”, na qual não havia astros ou outras estruturas. Em seguida, formaram-se as primeiras estrelas que subsequentemente se organizaram em galáxias — assistidas pela gravidade da matéria escura. Mas, se os chamados “buracos negros primordiais” vieram primeiro, as galáxias teriam se organizado ao redor deles e sua gravidade muito mais cedo do que antes imaginado, formando os buracos negros supermassivos hoje observados nos centros de muitas delas. Dessa forma, os buracos negros corresponderiam à matéria escura e seu papel na evolução do Universo.
Assim, a teoria “teria diversas implicações importantes”, explica Cappelluti. “Primeiro, não precisaríamos de [teorias] ‘físicas novas’ para explicar a matéria escura. Mas, mais importante, a explicação ajudaria a responder a uma das questões mais importantes da astrofísica moderna: como buracos negros supermassivos poderiam crescer a tamanhos enormes tão rápido no Universo primitivo? Trabalhando com os mecanismos que observamos no Universo moderno, eles não teriam tempo suficiente para se formar”. Além disso, o pesquisador também destaca que a teoria daria uma solução ao mistério de por que a massa de galáxias sempre é proporcional à massa do buraco negro supermassivo em seu centro.
“Buracos negros de diferentes tamanhos ainda são um mistério”, afirma Günther Hasinger. Ele é diretor de ciência da ESA e coautor do estudo. “Não entendemos como buracos negros supermassivos poderiam crescer a tamanhos enormes no período relativamente curto em que o Universo existe.”
Assim, para explicar isso, o estudo sugere que buracos negros primordiais agiram de forma a estruturar as galáxias, agregando o material o seu redor com sua gravidade — como faria a matéria escura — e crescendo rapidamente.
“Buracos negros primordiais, se eles existem, poderiam ser as sementes das quais todos os buracos negros supermassivos crescem, incluindo o no centro da Via Láctea”, explica Priyamvada Natarajan. Ela é coautora do estudo e professora de astronomia e física em Yale. “O que eu pessoalmente acho muito interessante sobre essa ideia é a maneira como ela unifica de forma elegante os dois problemas muito desafiadores com os quais eu trabalho: sondar a natureza da matéria escura e da formação dos buracos negros — e resolve ambos de uma vez só”.
Outra questão que a existência dos buracos negros primordiais responde é um excesso de emissões de radiação infravermelha sincronizadas com raios-x, detectada de fontes muito distantes — e, portanto, antigas. Segundo os pesquisadores, o crescimento desses objetos no Universo primitivo emitiria uma assinatura desse tipo.
A contribuição de Stephen Hawking Bernard Carr
Mesmo inovadora, a ideia é baseada em uma teoria de Stephen Hawking e do físico Bernard Carr, proposta nos anos 1970. Eles acreditavam que, frações de segundo após o Big Bang, ocorreram pequenas variações na densidade do Universo. Elas teriam deixado o espaço ondulado, com regiões de maior massa que se agregaram em buracos negros durante o Universo primitivo.
A teoria não ganhou muita adesão da comunidade científica. Mas os pesquisadores do artigo acreditam que, com algumas modificações, ela pode estar correta.
Colocando a teoria em teste
Como muitas outras teorias, é preciso ter cuidado com conclusões precipitadas. Mas os pesquisadores poderão comprovar ou desbancar sua teoria muito em breve, com o lançamento do Telescópio Espacial James Webb (JWST), o novo carro-chefe das observações astronômicas. Com seus detectores infravermelhos poderosos, ele poderá observar emissões que estão viajando há mais de 13 bilhões de anos pelo Universo.
Assim, se a teoria estiver correta e buracos negros primordiais realmente surgiram após o Big Bang, o JWST deve ser capaz de observar um maior número de estrelas se formando ao seu redor durante o Universo primitivo, agregadas por sua gravidade. “Se as primeiras estrelas e galáxias se formaram durante a chamada “Era das Trevas”, o JWST deve poder observar suas evidências”, afirma Hasinger.
Outro projeto, liderado pela ESA, também deve ajudar na comprovação: a Antena Espacial de Interferômetro a Laser, ou LISA, na sigla em inglês. Quando for lançada, nos anos 2030, ela poderá detectar emissões características de buracos negros primordiais, nos momentos em que dois deles colidem e se unem em um só.
Publicado em 22/12/2021.
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