Kelli FrancoAgência BOM DIA
Irany de Castro, 82 anos, é aposentado, viúvo e tem uma namorada. “Uma companheirinha”, como ele diz. De família católica, ele é espírita e acredita que sempre que a gente puder servir ao próximo, deve servir.
A crença levou Irany a abrir mão de uma noite por semana há 40 anos para ser um dos 42 voluntários do albergue do Ceac (Centro Espirita Amor e Caridade) – que, em 1 de julho, vai trocar o Centro pela Vila Antártica. O albegue tem 60 anos.
“Antes vinham muitas famílias, pessoas muito carentes e isso me sensibilizava demais”, conta Irany.
Segundo ele, um dia chegou uma família - um homem com a mulher, sogra e um filho. Quando faziam o cadastro o pai não gostou de um comentário do filho e deu um pontapé no garoto, que bateu a cabeça na parede. A sogra foi reclamar e levou um soco na boca.
Irany não teve dúvidas: chamou “os homens da lei”. Situação, enfim, resolvida.
Gente importante/A história mais marcante – e engraçada – aconteceu há uns 20 anos.
“Chegou um irmão embriagado e ele dizia: eu sou irmão do Zancaner”, conta. “Expliquei como funcionava, mostrei onde tomava banho e ele dizia: tudo bem, mas eu sou irmão do Zancaner”.
“Ele passou a noite e foi embora. Um tempo depois recebemos uma carta do Senado agradecendo pelo tratamento do albergue ao irmão do senador Zancaner, que esteve de passagem por Bauru”.
Reconhecimento/Uma das grandes felicidades de Irany é ver pessoas que passaram pelo albergue que depois construíram uma vida feliz.
“Um dia fui com a minha companheira almoçar em uma churrascaria. Fomos pagar a conta e a conta já estava paga. Eu protestei e disse: “Mas eu não paguei. Aí mostraram o churrasqueiro, que tinha pago a conta”, conta.
O homem fazia parte de um grupo de pessoas que veio a Bauru procurar emprego seis anos antes.
Mais tarde, na churrascaria, fez questão de retribuir o bom tratamento e os conselhos.
História triste/ Mas a história mais triste para Irany aconteceu há pouco tempo.
Um jovem, 25, chegou com a mulher e dois filhos. À noite, ele quis um cigarro. “É proibido fumar no albergue”, contou Irany. Ele insistiu e disse que iria embora se não pudesse fumar – e pediu que os voluntários chamassem a mulher e os filhos. “Eu falei pra ele deixar a mulher e as crianças com a gente porque chovia muito. Ele levou todos embora do mesmo jeito. Cortou meu coração.”
Um pouquinho da história do localHá seis décadas o Ceac (Centro Espirita Amor e Caridade) mantém o albergue, na rua Sete de Setembro, no Centro de Bauru. A ideia inicial sempre foi atender migrantes, pessoas que vinham à cidade em busca de emprego. Por isso a localização, perto da antiga estação ferroviária. Os tempos mudaram. Os trens não levam mais passageiros. Ônibus agora é o meio de transporte mais procurado. Pensando nisso, o albergue vai mudar de local.
Nova sede é em ponto estratégico A nova sede foi construída durante dois anos, fica perto do terminal e será aberta oficialmente no dia 1º de julho.
60 anos de fundação tem o albergue
70
é o número de pessoas que poderão ser atendidas nas novas instalações. Atualmente a capacidade é para 50 pessoas.
Mas nem todos querem albergue ao lado de casaAlguns vizinhos da nova sede do albergue, que será na Vila Antártica, não estão nada contentes com a mudança.
é o número de pessoas que poderão ser atendidas nas novas instalações. Atualmente a capacidade é para 50 pessoas.
Mas nem todos querem albergue ao lado de casaAlguns vizinhos da nova sede do albergue, que será na Vila Antártica, não estão nada contentes com a mudança.
Os moradores têm receio de que o albergue ao lado traga mais criminalidade para o bairro e, principalmente, alcoólatras para as portas das casas em busca de esmolas.
“O que preocupa mais são mesmo os pedintes”, explica o aposentado Geraldo dos Reis, 78.
Ele e outros moradores chegaram a ir à prefeitura pedir para adiar a mudança. Mas não teve jeito. “A gente não sabe o que vai ser. Esperamos que tenha segurança”, conta.
Outros vizinhos, como a dona-de-casa Célia Prieto Fabri, 60, não veem problemas com a nova vizinhança. “Não me preocupa nem um pouco, vai ter segurança”, explica ela. Outros ainda preferem ser cautelosos. Como a aposentada Mirtes de Oliveira, 82, e a filha dela Deyse Guilherme.
“Por enquanto deixamos um ponto de interrogação. Se começar baderna aí a gente vai atrás de resolver”, conta Deyse. “Não significa que porque é pobre vai dar, necessariamente, problema”.
O presidente do Ceac acredita que as reclamações não tem fundamento. “O albergue não torna nada mais perigoso. Na verdade, serve para recolher essas pessoas”, conta Mauro.
Ele explica ainda que durante o tempo em que o albergue esteve instalado no Centro nunca houve problemas com a vizinhança.
“Eles [vizinhos] podem ficar tranquilos. Nós vamos ter segurança no albergue e o prédio não vai levar problema nenhum”, garante Mauro.
Mauro conta que a Polícia Militar também faz ronda perto do albergue.
Um teto para aqueles que precisam“O Ceac tem uma bandeira: fora da caridade não há salvação”, explica Mauro Sebastião Pompilio, 77 – atual presidente do Ceac. “Tratar com carinho as pessoas é sempre melhor”, completa Irany.
Enquanto tem gente disposta a ajudar com atenção e carinho, muitas outras agradecem.
É o caso dos 40 a 50 albergados que passam diariamente pelo local. Em busca de emprego ou apenas para ter um lugar para passar a noite longe das ruas. Cada um tem seus motivos. Alguns voltam, muitos e muitos anos depois, segundo as assistentes sociais.
Mas Isaac José de Souza, 53, tem uma história diferente. Ele está há dois meses no albergue após simplesmente ter a casa onde morava derrubada.
Mas Isaac José de Souza, 53, tem uma história diferente. Ele está há dois meses no albergue após simplesmente ter a casa onde morava derrubada.
Durante o desfavelamento do Parque Real, estava viajando para São Carlos, onde moram os filhos. Quando voltou, a casa dele tinha desaparecido. A promessa da prefeitura é uma nova casa, na Vila São Paulo, em 90 dias.
“Graças a Deus vou ter uma casa nova”, comemora ele. “Eu fiquei desesperado [quando perdeu a casa]. Todo mundo quer um teto”, explica.
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