O Primeiro Comando da Capital nasceu na cadeia, um ano depois do Massacre do Carandiru. Legitimou sua autoridade no cárcere ao aplicar políticas de interdição do estupro, do homicídio considerado injusto e do uso de crack. Ao longo dos anos, a guerra contra os “coisa” — como são chamados policiais, facções rivais, estupradores e alcaguetas — se tornou a contraface da “paz entre os ladrões”, premissa que impulsionou a expansão do PCC via regulação econômica de mercados ilegais e reivindicação do monopólio da força e da justiça no crime.
Em Irmãos, o sociólogo Gabriel Feltran oferece uma interpretação alternativa àquelas que buscam comparar o PCC com outras organizações criminosas — como os comandos cariocas, as gangues prisionais americanas ou as máfias italianas. Tendo realizado extensa etnografia nas periferias de São Paulo, seu argumento é que o modo de organização do PCC se assemelha às irmandades secretas, funcionando como uma maçonaria do crime — uma rede de apoio mútuo, pautada pelo respeito aos negócios e pela honra do outro irmão.
Feltran percorre os momentos cruciais da história do Comando desde sua criação em Taubaté até as violentas disputas entre facções a partir de 2017. Ele também retrata a presença do PCC nas dinâmicas locais, bem como o impacto das ações do comando em dimensões legais e ilegais de mercados como o de veículos roubados, que movimenta anualmente dezenas de bilhões de reais.
Original e contundente, Irmãos apresenta um país em que o crime conquistou efetiva hegemonia política para parte significativa da população. Nele, o PCC emerge como uma instância de geração de renda, de acesso à proteção, de ordenamento social, de pertencimento e identificação, desafiando o projeto de uma comunidade nacional integrada, promessa que a redemocratização não logrou entregar.
GABRIEL FELTRAN é professor do departamento de sociologia da UFSCar e diretor científico do Centro de Estudos da Metrópole (CEM). PublicouFronteiras de tensão e é coautor de Novas faces da vida nas ruas, finalista do prêmio Jabuti de 2017. Foi professor visitante na Humboldt-Universität (Alemanha), no CIESAS Golfo (México) e na Sciences Po (França).
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